O esqueleto humano tem 270 ossos ao nascer.
Ficam 206 quando crescemos, alguns desaparecem, outros se juntam.
O esqueleto é a estrutura do nosso corpo, ele nos sustenta.
O esqueleto é, também, protagonista de várias mitologias, como a gótica.
É desde a idade média, que o ceifador, anjo da morte ou como queremos
chamá-lo, é representado por um esqueleto com capuz, uma foice e uma lanterna.
Enfim, o esqueleto é símbolo de morte e a morte é concebida pelos seres humanos como o fim.
A morte dos humanos com o advento do capitalismo é algo com o qual não lidamos
muito, os hospitais são estruturas que foram construídas e onde as mortes acontecem,
na idade média as mortes aconteciam em casa.
Minha avó, viu a sua avó morrer na cama, esperou que a avó pudesse falar as últimas palavras,
a vida tocando a morte.
Já a morte das coisas, com o capitalismo, é algo com o qual lidamos muito,
tudo tem que morrer para que nós possamos consumir mais.
Mas é justamente sobre a relação entre moda e a morte que quero falar nesse post.
Estamos vivendo um momento histórico singular, a proximidade com a morte
(e a nossa dificuldade de lidar com ela) nos levou a repensar nossas existências.
Eu até li o conto da mulher esqueleto sobre os ciclos vida-morte-vida, mas não,
não aliviou minha perspectiva sobre a morte.
A pandemia nos colocou em um luto que, como sociedade,
não conseguimos (ainda) elaborar e encarar.
E como a moda é o nosso zeitgeist, olhar para ela agora pode nos dar uma luz sobre o futuro próximo.
Nesse sentido é muito imagético imaginar a morte com capuz e a lanterna.
Imaginemos então a morte como esse esqueleto ambulante e a luz como a moda.
A viagem é muito doida, mas quem dera ter sido a primeira em pensá-la
Estamos em 1824 e tem um jovem poeta italiano, Giacomo Leopardi
que escreve um diálogo entre a morte e a moda.
A moda chega na morte e diz: e aí, não me reconhece?
A Morte obviamente diz que não, que não reconhece e além do mais esnoba a moda,
falando que ia chegar nela quando fosse o tempo, a moda então explica que ela é a irmã da morte.
Ambas têm a mesma mãe: a caducidade (transitoriedade), a intenção de ambas e renovar continuamente o mundo,
a morte e a moda são inimigas da memória, a morte tira ela tirando o ser humano e a moda tirando a moda anterior, assim que a nova possa existir.
A moda e a morte são transitórias e efêmeras.
Ambas correm.
A corrida, o não parar nunca, é a essência tanto da morte quanto da moda.
Na corrida pela modernidade (que não é progresso, mas só uma corrida vai em direção da morte) a moda é uma grande aliada.
A moda contribui para que as pessoas se autoflagelem (vede-se a moda do Luís XIV onde as mulheres mal conseguiam respirar).
Estamos na revolução industrial e no iluminismo que representa a quebra e a ruptura com a tradição.
A tradição então era percebida como aquilo que é eterno, que não muda: a verdade inteligível de platão.
A modernidade é luto, esquecimento, morte.
No momento que percebemos a modernidade, ela já não existe mais,
estamos fadados a correr atrás de algo que nunca poderemos ter, tocar, pelo qual não poderemos sentir prazer.
Lembra algo? (alou capitalismo)
A morte enfim reconhece a moda como irmã, a moda adiciona que a morte a deveria agradecer
porque de todas as modas, aquela que ela nunca fez passar è a moda de morrer.
A moda então diz: hahahah senta lá Claudia, quem é você para achar que essa moda passa? Eu sou a morte.
A moda finaliza dizendo: você não conhece a potência da moda.
Me imagino o futuro próximo como resposta a esse diálogo e posso dizer que o resgate
da mitologia vai ser algo que veremos bastante, já estamos vendo isso dentro da proposta dos estilistas.
O nosso consumo vai ser muito diferente, acredito que resgataremos muito histórias,
consumamos muito coisas que tenham histórias, e que desaceleram o tempo.
Vai ter resgate de passado, sim, através da retomada de modas antigas (alou vintage) e
através da retomada da mitologia.
Acredito que os designers brasileiros se aprofundarão mais na mitologia do território que habitam,
1- porque que saco ver sempre a mitologia greco romana e pensar nela como A mitologia,
2 - porque esse brasil é cheio de imagens mitológicas que devem ser exploradas.
A velocidade desse tempo nos posicionou cara a cara com a tempestividade da morte,
o consumo vai ser desacelerado e pensado.
O consumo pensado nos levará também a ser consumidores mais conscientes,
em muitos aspectos.
Um que me impressiona é a vontade (que até eu estou tendo) de comprar produtos mais caros,
mas um só.
Tipo comprar um sapato que dure mais.
A durabilidade será um valor muito importante, tanto nas relação com as coisas quanto com as pessoas.
Assim como vai existir a vontade de ter peças bem costuradas.
A vestimenta vai ser um investimento para nossa proteção, quanto vale nossa proteção? vale Zara?
Realmente acho (espero) que estamos no fim da época do modelo fast fashion.
Queria fechar essa história com um esqueleto, dessa vez um vestido esqueleto feito por uma estilista que amo Elsa Schiaparelli.
La schiap, tornou-se famosa com um vestido que tem o esqueleto em vista, o skeleton dress.
O vestido da Schiap queria proteger as mulheres através de uma armadura.
Ele tem ombreira e eu também amo ombreira.
Foi entendendo com o tempo como as ombreiras me protegem, mas me estruturam também.
Vejo que está chegando próximo o dia em que estarei cansada de ser estruturada e protegida
só gostaria que a fluidez da vida escorra no meu corpo através tecidos fluidos,
longos, (ala os gregos) que me transpassam exatamente como a vida,
que não quero vestir para espantar a morte, mas para acolher a vida.
Uma pena porque amo a minha coleção de blazer.
por Giulia Di Silvestro
referencias:
LIPOVETSKY, Gilles, “o império do efêmero, a moda seu destino nas sociedades modernas”, companhia das letras, 2009
MORONI, Enrica, “storia della moda” skira editore, Milano, 2010
MARX, karl, “o capital, volume 1, o processo de produção do capital” capítulo primeiro, editora civilização brasileira.
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